quinta-feira, 11 de abril de 2013

Capitulo 1


Eram três horas da tarde. O sol forte, anuncianva o clima quente de janeiro. O calor emanava do asfalto quente. Algumas pessoas estavam sentadas na calçada em frente a um bar, tomando uma cerveja para se refrescarem; alguns meninos sem camisa e descalços jogavam uma pelada na rua, aproveitando o dia ensolarado, depois de tantos dias de chuva.  Janeiro já estava chegando ao fim. Felipe_ estatura mediana, pele morena, cabelos crespos e um pouco grandes, quase black power_ subia o morro, o cenho franzido, tenso. O garoto vinha pensando no resultado do vestibular, “Já estão demorando muito para divulgarem o resultado. Pelo jeito o resultado só sairá em fevereiro.”  Felipe virou à direita, andou mais alguns metros até parar em frente ao portão de grades amarelas de sua casa. Procurou as chaves na mochila, estava perdida lá no fundo entre os livros, a marmita e o guarda-chuva. Tão logo girou as chaves sua irmã, Ana Cecília, veio ao seu encontro:
_ Ah, Fê! Que bom que você chegou. Saiu hoje o resultado da UFMG.
Felipe olhou para Ana Cecília por alguns segundos, processando a informação que acabara de receber. Esperou tanto pela notícia, mas agora estava receoso em relação a ela. “E se não tivesse passado?” Dias e horas de estudo, noites sem dormir, fins de semana perdidos... tudo em vão!
_ Fêêêê! Você tá aí ainda? Não vai olhar o resultado? Não olhei ainda porque achei que você deveria ser o primeiro a saber  se passou ou não.
Felipe fechou a porta atrás de si e foi para o quarto seguido pela irmã.  A indecisão permeava seus pensamentos: “olhar ou não olhar o resultado?”
Ana Cecília percebendo a indecisão do irmão resolveu tomar a frente:
_Você quer que eu olhe?
_É... Acho melhor você olhar... E se eu não tiver passado, Ciça?
_Não fale isso nem de brincadeira! É claro que você passou, Fê. Você estudou tanto!
Os minutos que se seguiram até Ana Cecília ligar o computador e entrar no site da copeve pareceram uma eternidade para Felipe. O garoto nem queria olhar para a tela do computador, a angústia e a ansiedade lhe consumiam.
_E então, Ciça?
_Espere mais um pouquinho, a página está demorando a carregar.  O site está sobrecarregado, né. Deve ter um monte de gente olhando o resultado!
_Mais essa ainda!
_Pronto, carregou!
_Então eu vou pra cozinha. Não quero ver esse resultado.
_Deixa de ser bobo! Você tem que ver de todo jeito, uai!
Disse enquanto procurava o nome do irmão na lista do curso de engenharia mecânica. O sonho de Felipe era ser engenheiro mecânico, principalmente depois que o pai morrera. Antônio Felipe, pai de Ana Cecília e Felipe, era mecânico. Ele sonhava em ser engenheiro. Infelizmente nunca tivera oportunidade. Cedo teve que trabalhar para ajudar os pais, depois se casou e logo vieram os filhos. Quando finalmente tinha conseguido uma estabilidade financeira, pois tinha arrumado um ótimo emprego na Fiat, sofrerá um infarto. Era novo ainda, 42 anos. Pelo menos deixou a casa para Dona Tereza e os filhos.
_Fê...
_Hum! Fala logo! Que agonia!
Ana Cecília olhou com ar de suspense para o irmão. Aos poucos um enorme sorriso se formou em seu rosto:
_Você passou! Parabéns, Fê! Você agora é o engenheiro da família! _ disse abraçando o irmão.
Ana Cecília, ou Ciça _como todos a chamavam_ era morena, corpo curvilíneo, cabelos longos e cacheados, olhos castanhos de cílios imensos e lábios carnudos. Era sempre alegre, ingênua, romântica, um pouco nervosa às vezes, mas sempre otimista. Estava muito feliz com a conquista do irmão que tanto lutou por ela. Ele seria o primeiro a fazer faculdade na família, o primeiro engenheiro. A mãe, Dona Tereza, ia ficar orgulhosa do filho mais velho!
_Fê, a mamãe vai ficar louca de alegria quando souber.
_Vai mesmo! Puxa! Nem acredito!
Felipe ainda estava zonzo com a notícia. Ele ia estudar na UFMG... Ia ser engenheiro... Ia realizar o sonho do pai... Agora tudo ia melhorar na vida deles... A alegria que sentia não cabia no peito. Ele se imaginava andando no campus. O campus que ele olhava todos os dias pela janela do ônibus...
*************
Giuliano chegou a casa, bêbado. Tinha ficado à noite inteira no Mulan cantando no karaokê com alguns amigos. Bebeu uns quatro drinks diferentes e pelo menos umas cinco heinekens. Já eram quase 03h00min da manhã. Andou pé ante pé em direção ao seu quarto, pelo menos dessa vez a avó não estava lhe esperando.” A avó o tratava como criança. Um saco! Ele já tinha quase 20 anos, morou nos Estados Unidos seis meses, e a avó ainda o achava uma criança só porque ele bebia um pouco além da conta! Acaso ele não tinha direito de tomar suas próprias decisões?! Não, não tinha. O pai já traçara seu destino a muito tempo, bastava a ele seguir as regras. Malditas regras!”
Deitou na cama de roupa e sapatos, logo adormeceu. Alguns minutos depois Dona Carminha, sua avó, abriu a porta do quarto lentamente para não fazer barulho. Não conseguia dormir enquanto o menino não chegasse. Dessa vez não esperou na sala para que Giuliano não discutisse com ela. Sentia um pouco de dó do neto. “Pobrezinho!” A mãe morrera em um acidente de carro quando ele tinha apenas quatro anos. O pai, sempre ocupado com os negócios, cedeu a educação de Giuliano para ela, Dona Carminha.  Se Dona Carmen Lucchesi havia criado tão bem ele, Renato Lucchesi, por que não criaria o neto? Em seu íntimo Dona Carminha aceitou de bom grado, não gostava da nora, Raphaela. Ela era um tanto irresponsável, só queria saber de festas, roupas e comidas caras. Só pensava em luxo! Depois da morte da nora ela assumiu a casa e a criação do neto, não permitindo sequer que o filho arrumasse outra esposa: “ O neto não seria criado por uma madrasta. Onde já se viu uma coisa dessas!”
Giuliano, alto (tinha 1,90m), os cabelos negros encaracolados e já estavam precisando de um corte a um bom tempo; o rosto um pouco sisudo; barba por fazer; olhos castanhos cor de mel,  penetrantes e um pouco ariscos, desconfiados e incrédulos; lábios finos. Andava sempre de coturno, roupas pretas ou jeans. Na orelha um alargador, na sobrancelha um piercing _ de vez em quando, andava com uma espécie de prego no queixo. Não que seguisse alguma tribo - não era punk, metaleiro, gótico, emo ou coisa do tipo. Teve sua fase rebelde na adolescência, tinha banda, queria ser rebelde, mas tudo isso era passado. O uso das roupas e dos piercings agora eram apenas para mostrar a todos sua personalidade, seu estilo. Sim, ele gostava de rock. Não levava desaforo pra casa, tinha espírito crítico. Não seguia nenhum tipo de movimento, tinha suas próprias opiniões. Nascido em família rica, frequentou as melhores escolas, aprendera a tocar piano e violino, sabia três idiomas e praticava natação e judô.
O garoto levantou- se tarde, aquele dia. Acordara com uma leve dor de cabeça, consequência da bebedeira do dia anterior. Olhou as horas, já eram 11 horas da manhã. Foi tomar um banho.  Em seguida foi para cozinha tomar café, na cabeça ainda escutava a música “Química” do Legião Urbana que cantara três vez no karaokê. Os versos do refrão se repetiam em sua cabeça: “Você tem que passar no vestibular, você tem que passar no vestibulaaaaar”! Estava preocupado com o resultado do maldito vestibular. Embora não desse a mínima para a faculdade_ muito menos para uma faculdade de engenharia de produção_, ele tinha que passar. Eram ordens do seu pai, o todo poderoso. Ele como filho único, era obrigado a assumir os negócios da família. Para isso fora educado. Era um peso que ele não queria assumir. Ele queria fazer seu próprio destino, mas não podia, seu pai já o tinha feito.
_Ah! Finalmente o bad boy se levantou! Achei que não iria mais sair da cama. _Renato disse com ar de deboche.
Giuliano somente lançou-lhe um olhar feroz sem dizer nada. Justo hoje o pai estava em casa, coisa rara.
_Meu filho, que bom que você acordou! Como vai querer seu café?_ Dona Carminha perguntou solicita.
_Quero um café forte sem açúcar, vó.
_É um ótimo remédio para a ressaca. Vai querer um remédio para dor de cabeça também? _mais uma vez Renato ironizou.
_Não é da sua conta. O que veio fazer aqui? A sua querida empresa precisa de você!
_Não, Giuliano. Agora ela precisa de você.  Vim aqui para trazer lhe isto... _ disse-lhe  estendendo o jornal. Giuliano pegou sem dizer nada, já sabia do que se tratava. Era o resultado do vestibular.
_ Por que me trouxe o jornal. Eu poderia ter visto o resultado pela internet, seu velho retrograda.
_ Internet! Internet! Deixe de ler jornais e veja o que te acontece, senhor moderninho!
Giuliano olhou a página em que se encontravam os aprovados no curso de engenharia de produção. Seu nome estava lá: Giuliano Bueno Lucchesi.
_Passei e daí? Não era isso que você queria.
_Parabéns, meu neto! _ Dona Carminha disse-lhe, dando-lhe um beijo estalado na bochecha.
_Eu sabia que você ia passar. Você é inteligente terá um futuro promissor. Tenho certeza que cuidará bem dos nossos negócios, claro que, para isso, você precisara aprender a ser um homem de verdade.
_Renato, não provoque o menino! Ele passou não passou?
_ Não precisa me defender, vó. Ele gosta de me ver nervoso, mas não será dessa vez!
_Vocês parecem duas crianças briguentas! _disse Dona Carminha com voz preocupada.
_Vou para o meu quarto, com licença. _Giuliano saiu, tentando esconder a raiva que sentia por ter passado no vestibular.
Entrou no quarto, acendeu um cigarro, escolheu um CD na enorme pilha e pôs para tocar.
Colocou a música no último volume, deu uma tragada no cigarro e deitou-se na cama.
Nesse momento, somente aquela música poderia ser capaz de expressar o que ele estava sentindo.
Os acordes pesados da guitarra dispararam e logo ouviu a voz de Renato Russo:

Estou trancado em casa e não posso sair
Papai já disse, tenho que passar
Nem música eu não posso mais ouvir
E assim não posso nem me concentrar

A primeira coisa que ouviu do pai quando chegou do intercambio de inglês nos Estados Unidos, foi que ele havia feito sua inscrição para o vestibular. Ele ia prestar vestibular para engenharia de produção, pois assim poderia ajudar o pai a expandir os negócios da família. Ele sequer teve direito de resposta. O pai cancelou sua mesada por tempo indeterminado, impediu que ele voltasse para as aulas de violino e piano. Somente o inglês era permitido. A ordem era ficar trancado em casa estudando. Só podia sair para ir para o cursinho, o mais caro da cidade, e as aulas de inglês. Ele, um mero filhinho de papai, resignou-se às ordens do pai, indignado. Não era o que ele queria. Embora fosse um tanto rebelde, não conseguia contrariar essa ordem. Nunca conseguiu conversar direito com o pai. E como filho único, sabia que era obrigação dele continuar os negócios da família.
Não saco nada de Física
Literatura ou Gramática
Só gosto de Educação Sexual
E eu odeio Química
Não posso nem tentar me divertir
O tempo inteiro eu tenho que estudar
Fico só pensando se vou conseguir
Passar na porra do vestibular
Começou a cantar o refrão bem alto. Foi obrigado a estudar coisas que odiava. A tensão, o medo de não passar por medo da reação do pai. A raiva por ser sentir obrigada a passar em um curso que não tinha a mínima vontade de fazer.
Chegou a nova leva de aprendizes
Chegou a vez do nosso ritual
E se você quiser entrar na tribo
Aqui no nosso Belsen tropical
Ter carro do ano, TV a cores, pagar imposto, ter pistolão
Ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão
Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão
Você tem que passar no vestibular.”
Ficou pensando nessa obrigação social que era o vestibular. Esse status de graduado, de estudado. Essa necessidade de cumprir regras sociais para ser aceito. O vestibular era um rito de passagem para a vida adulta. O primeiro passo para uma rotina estressante, que suga a energia das pessoas e impede que ela desfrute a vida. Ele achava que Renato Russo havia feito uma boa metáfora, ou comparar a faculdade a um campo de concentração (Belsen). Para ele os estudantes eram “ovelhas no matadouro”. Ele não queria seguir normas sociais, seguir rótulos. Ele queria ser livre, desfrutar da vida. Ser fora do padrão. Infelizmente, isso era impossível. Ele devia ser um “burguês padrão.”
Giuliano estava revoltado, sentia-se preso a um sistema injusto e alienante. Não queria fazer parte da massa não pensante. Sentia- se subjugado pelo pai. Sentia-se preso. E ele era um menino livre, muito livre... Decidiu que ia fazer o curso, ia sim. Isso não significava que ele seria um garoto obediente e bem comportado. Não ia entregar-se tão fácil aos caprichos do seu pai. Já tinha feito o principal que era passar no vestibular, mas não iria aceitar tudo de cabeça baixa. O pai que se preparasse...